quinta-feira, 9 de julho de 2015

Um Chamado aos Não Convertidos

Richard Baxter


[Nota do blog: Ainda que este blog seja dedicado à obra de Jonathan Edwards, lanço aqui o prefácio de uma obra fundamental de Richard Baxter, teólogo puritano a quem muito admiro e recomendo. A obra completa estará disponível em breve, se Deus assim me permitir completá-la.]

PREFÁCIO
A todas as pessoas não santificadas que lerão este livro, especialmente aos meus ouvintes na vila e paróquia de Kidderminster.

Homens e irmãos,
O Deus eterno que os criou para a vida eterna, e os redimiu por seu único Filho, quando vocês a haviam perdido e a si mesmos, sendo-lhes atencioso nos seus pecados e miséria, compôs o evangelho e o selou pelo seu Espírito, e ordenou a seus ministros que o pregassem ao mundo, para que, sendo-lhes ofertado livremente o perdão, e os céus abertos diante de vocês, pudesse chamá-los de seus prazeres carnais, e de seguirem no encalço deste mundo enganoso, e os familiarizasse com a vida para a qual foram criados e redimidos, antes que estivessem mortos e sem remédio.
Ele não lhes envia profetas ou apóstolos, que recebem suas mensagens por revelação imediata; porém, os chama por meio de seus simples ministros, que são comissionados por ele a pregar-lhes o mesmo evangelho primeiramente entregue por Cristo e seus apóstolos. O Senhor vê como vocês esqueceram-se dele e de seu fim principal, e como menosprezam as coisas eternas, à semelhança de homens que não entendem o que devem fazer ou sofrer. Ele vê como são ousados no pecado, e destemidos mesmo com as ameaças, e como são descuidados de suas almas, e como a obra dos infiéis se acha nas suas vidas, ao mesmo tempo em que a fé cristã está nas suas bocas.
Ele vê o terrível dia se aproximando, quando suas dores começarão, e deverão lamentar isso tudo com clamores inúteis, em tormento e desespero. E, então, a lembrança de suas tolices rasgará seus corações, se a verdadeira conversão disso não os livrar agora.
Compadecido de suas almas pecaminosas e miseráveis, o Senhor, que conhece sua situação melhor do que vocês mesmos, nos comissionou a falar-lhes em Seu nome (2 Co 5:19) e a lhes dizer abertamente sobre seus pecados e miséria, e sobre qual será seu fim, e como verão brevemente uma triste mudança, se persistirem nisso por mais um pouco.
Havendo-os comprado por tão caro preço como é o sangue de seu Filho Jesus Cristo, e lhes feito promessas de perdão tão livres e abrangentes, e de graça e glória eternas, Ele nos ordenou que lhes oferecêssemos isso tudo como dádiva de Deus, e que lhes suplicássemos a considerarem a necessidade e dignidade daquilo que oferecia. Ele vê e se compadece de vocês, enquanto estão submersos nos cuidados e prazeres mundanos, avidamente seguindo após brinquedos infantis, gastando o tempo curto e precioso por coisas sem valor, tempo esse em que deveriam se preparar para uma vida eterna. Portanto, solenemente nos ordenou que os chamássemos, e lhes disséssemos sobre como desperdiçam seus esforços e estão prestes a perder suas almas, e a lhes falar sobre coisas melhores e superiores que poderiam certamente obter, se ouvissem o seu chamado (Is 55:1-3).
Cremos e obedecemos à voz de Deus. E viemos até vocês com a mensagem que nos incumbiu de pregar, e que instássemos, em tempo e fora de tempo, que levantássemos nossas vozes como uma trombeta, e mostrássemos seus pecados e transgressões (Is 58.1-2; 1 Tm 4.1-2)
Mas, infelizmente, para o luto de nossas almas e a ruína das suas, vocês fecham os ouvidos, enrijecem os pescoços, endurecem os corações, e nos enviam de volta a Deus com gemidos, para lhe dizer que cumprimos seu chamado, mas que não pudemos lhes fazer bem, nem ao menos obter uma única audiência sóbria. Tomara nossos olhos fossem uma fonte de lágrimas, para que pudéssemos lamentar nosso povo ignorante e descuidado, que tem Cristo diante de si, e o perdão, a vida e os céus, mas não tem corações para conhecê-los e estimá-los! Que poderiam ter Cristo, a graça e a glória, bem como as demais coisas, não fora sua voluntária negligência e desprezo! Tomara Deus enchesse nossos corações com mais compaixão por essas almas miseráveis, para que pudéssemos nos atirar a seus pés, e segui-las até as suas casas, e lhes falar com amargas lágrimas, pois, por muito tempo, temos lhes pregado em vão.
Estudamos a clareza para fazê-los entender; examinamos as palavras sérias e penetrantes, para fazê-los sentir. Tudo em vão. Se os maiores assuntos funcionassem com eles, nós os despertaríamos. Se as mais doces coisas funcionassem, nós os provocaríamos e ganharíamos seus corações. Se as coisas mais terríveis funcionassem, ao menos os faríamos temer a impiedade. Se a verdade e a certeza os vencessem, cedo os convenceríamos. Se o Deus que os criou, e o Cristo que os comprou pudessem ser ouvidos, a situação deles logo seria alterada. Se a Escritura pudesse ser ouvida, cedo prevaleceríamos. Se a razão, mesmo os melhores e mais convincentes motivos, pudessem ser ouvidos, não duvidamos de que rápido os convenceríamos. Se a experiência pudesse ser ouvida, mesmo a sua própria, e a do mundo todo, a situação estaria resolvida. Sim, se a consciência interior pudesse ser ouvida, a situação deles estaria melhor do que a atual. Mas se nada puder ser ouvido, o que faremos por eles? Se o temível Deus do céu for desprezado, com quem se preocuparão? Se o amor e o sangue inestimável do Redentor forem menosprezados, o que será valorizado? Se os céus não lhes têm uma glória desejável, e as alegrias eternas não tiverem valor; se podem zombar no inferno, e dançar sobre o abismo sem fundo e gracejar com o fogo consumidor, e isso quando Deus e homem os alertam do perigo, o que faremos por almas semelhantes a essas?
Uma vez mais, em nome do Deus dos céus, lhes trarei a mensagem que ele nos ordenou, e a deixarei nestas linhas suspensas para convertê-los ou condená-los; para mudá-los ou suscitar contra vocês julgamento, e para ser um testemunho às suas faces de que uma vez ouviram um sério chamado para que se arrependessem.
Ouçam, vocês que são escravos do mundo, e servos da carne e de Satanás! Que gastam seus dias buscando a prosperidade na terra, e afogam suas consciências na bebida, glutonaria, no ócio e nos divertimentos tolos; que conhecem seus pecados e, ainda assim, pecam, como se desafiassem a Deus, e o suplicassem a lhes fazer o mal e a não os poupar! Ouçam, todos os que não se importam com Deus, e nem têm coração para as coisas santas, e não sentem prazer na palavra ou no culto do Senhor, nem nos pensamentos e menções da vida eterna! Vocês que são relaxados com suas almas imortais, e nunca separam uma única hora para investigar sobre a situação em que se encontram, se são santificados ou profanos, e se estão prontos para comparecer perante o Senhor! Ouçam, todos vocês que, por pecar na luz, se atordoaram na infidelidade, e não creem na palavra de Deus! Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça o chamado gracioso, mas terrível, de Deus! Seus olhos estão sobre vocês. Seus pecados estão registrados e certamente terão notícias deles ainda. Deus possui o livro agora, e o escreverá por inteiro nas suas consciências, com seus terrores, e desse modo vocês também o possuirão.
Ó pecadores, tomara vocês soubessem ao menos o que estão fazendo! E que soubessem a quem estão ofendendo! O sol é escuridão diante da Sua Majestade, esta mesma que vocês abusam diariamente e provocam insensivelmente. Os anjos que pecaram não puderam permanecer diante dele, mas foram expulsos para serem atormentados com os demônios. E ousam semelhantes vermes tolos como vocês ofendê-lo tão insensivelmente, e se colocarem contra o seu Criador? Tomara vocês soubessem ao menos um pouco da situação de suas almas miseráveis, que chamaram o Deus vivo contra si! As palavras de sua boca, que os fizeram, podem desfazê-los; a fúria de seu rosto os cortará e lançará fora na completa escuridão. Como estão prontos os demônios que os tentaram a cair sobre vocês, e nada esperam senão a palavra vinda de Deus para tomá-los e usá-los como suas possessões! E, assim, em um momento, vocês estarão no inferno. Se Deus for contra vocês, todas as coisas também o são. Este mundo é tão somente a sua prisão, pois tudo o que amam está nele. Vocês estão reservados aqui para o dia da ira (Jó 21:30).
O Juiz está vindo, e a sua alma está partindo. Ainda um pouco, e seu amigo dirá a seu respeito: “Está morto”. E você verá as coisas que agora despreza, e sentirá aquilo que agora não acredita. A morte lhe trará um argumento ao qual não poderá responder, um argumento que efetivamente refutará seus sofismas contrários à Palavra e aos caminhos do Senhor, e todas as suas imbecilidades presunçosas. E, então, como será rápida a sua mudança de mente! Seja então um descrente, se puder. Sustente, então, suas antigas palavras, que costumava proferir contra a vida santa e celestial! Defenda, então, aquela causa, diante do Senhor, que costumava advogar contra seus mestres, e contra o povo temente a Deus. Apegue-se, então, às suas antigas opiniões e pensamentos desdenhosos acerca da diligência dos santos. Apronte agora as suas mais fortes razões, e fique de pé diante do Juiz, e defenda como um homem a sua vida carnal, mundana e ímpia. Mas agora que tem Alguém com quem disputar, a esse não irá subjugar, nem adiará como faz conosco, criaturas como você.
Ó pobre alma! Não há nada senão um fino véu de carne entre você e essa vista maravilhosa, que em breve o silenciará, e mudará sua voz, e o fará mudar de opinião! Tão logo a morte levantar essa cortina, você verá primeiro aquilo que rapidamente o deixará mudo. Como se apressa esse dia e hora em chegar! Quando você não tiver senão mais algumas poucas horas alegres, alguns poucos tragos e bocados, e um pouco mais das honras e riquezas do mundo, sua porção será gasta, e seus prazeres findarão, e tudo em que você colocou o coração terá passado. De tudo aquilo pelo que você vende o Salvador e a salvação, nada ficou senão o oneroso ajuste de contas. Como um ladrão que se assenta na taverna alegremente para gastar o dinheiro roubado, enquanto os homens cavalgam a toda pressa para prendê-lo, assim ocorre com você. Enquanto se encontra afogado em cuidados e prazeres carnais, e festejando com sua infâmia, a morte vem a toda pressa para capturá-lo, e levar sua alma para um lugar e estado de que agora você pouco conhece ou se importa.
Suponham que, enquanto estivessem ousados e ocupados no pecado, estivesse vindo um mensageiro enviado de Londres para agarrá-los e matá-los. Ainda que não o vissem, se, contudo, soubessem que estava vindo, isso acabaria com a sua festa, e ficariam a pensar sobre a velocidade desse mensageiro, e ficariam a ouvir quando batesse as suas portas. Oh! Tomara pudessem ver com que pressa vem a morte, mesmo que ela ainda não os tenha vencido! Nenhum mensageiro é tão veloz! Nenhum é mais certo! Tão certo como o sol estará com vocês pela manhã, ainda que tenha muitas milhares e centenas de milhas para percorrer à noite, também a morte rapidamente estará com vocês. E, então, o que será de suas diversões e prazeres? Vocês farão gracejos e esbravejarão? Nesse dia, se rirão dos que lhe alertarem? Nessa hora, será melhor ser um crente santificado ou um mundano sensual? “E aquilo que ajuntaram, para quem será” (Lc 12:19-21). Vocês não observam que os dias e semanas rapidamente passam, e as noites e manhãs estão aceleradas, e rapidamente sucedem umas às outras? Vocês dormem “mas não a sua condenação”; vocês tardam, mas “o juízo lavrado há longo tempo não tarda” (2 Pe 2:3), para o qual estão “reservados.” (2 Pe 2:9 ) “Tomara fossem eles sábios! Então, entenderiam isto e atentariam para o seu fim.”: “Aquele que tem ouvidos para ouvir, que ouça o chamado de Deus neste dia de salvação.” (Dt 32:29)
Ó pecadores descuidados! Tomara nada conhecessem senão o amor ao qual tão ingratamente negligenciam, e a preciosidade do sangue de Cristo ao qual desprezam! Oh! Que nada conhecessem senão as riquezas do evangelho! Oh! Que nada conhecessem, senão um pouco da certeza, da glória e da bem-aventurança dessa vida eterna, sobre a qual agora ainda não têm os corações firmados, nem estão persuadidos a primeira e diligentemente buscar (Hb 11:6; 12:28 e Mt 6:12). Se nada soubessem senão a vida infindável com Deus que negligenciam, como seria rápida a sua fuga do pecado! Como seria rápida sua mudança de mente e de vida, de curso e companhia; e como mudariam o fluxo de suas afeições, e colocariam seus cuidados em outras coisas! Como resolutamente desprezariam a concessão a estas mesmas tentações que agora os enganam e os arrebatam! Como zelosamente se moveriam após esta vida bem-aventurada! Como estariam prontamente com Deus em oração! Como seriam diligentes em ouvir, aprender e investigar! Como seriam sérios em meditar nas leis de Deus! (Sl 1:1-2) Como temeriam pecar em pensamento, palavra ou ação; e como seriam cuidadosos em agradar a Deus e crescer em santidade! Oh! Como seriam pessoas transformadas! E por que não deveriam crer na palavra certa de Deus, prevalecendo ela sobre vocês, esta mesma que lhes abre essas coisas gloriosas e eternas?
Mas, permita-me lhes dizer que, mesmo aqui, na terra, vocês pouco sabem a diferença entre a vida que recusam e aquela que escolheram. Os santos são íntimos de Deus, ao passo que vocês raramente ousam pensar nEle, e são íntimos apenas da terra e da carne. Eles conversam sobre o céu, enquanto vocês são totalmente estranhos a este, e o Deus a quem servem é o ventre, e a sua preocupação é apenas com as coisas terrenas (Fl 3:18-20). Eles buscam a face de Deus, enquanto vocês não buscam nada superior a este mundo. Eles estão ocupados dispondo para a vida infinita, onde serão semelhantes aos anjos (Lc 20:36); enquanto vocês estão arrebatados com as sombras e coisas transitórias que nada valem. Como são arriscadas e degradantes suas vidas terrenas, carnais e pecaminosas em comparação à vida nobre e espiritual dos verdadeiros crentes!
 Muitas vezes olhei para esses homens com dor e pena, vendo-os andar com dificuldade no mundo, e gastar suas vidas, cuidados e trabalhos por nada mais do que um pouco de comida e vestuário, ou um pouco de pálidos ganhos, ou de prazeres carnais, ou honras vazias, como se não tivessem nada mais alto em mente. Que diferença há entre as vidas desses homens e das feras que perecem; homens que gastam seu tempo no trabalho, na comida e na bebida, enquanto vivem? Não provam dos prazeres celestiais interiores que os santos provam e nos quais vivem. Prefiro ter um pouco do conforto dos santos, que os mencionados pensamentos acerca de sua herança celestial os concede - ainda que venha acompanhado de todo o desprezo e sofrimentos - a ter todos os prazeres e prosperidades traiçoeiras que vocês têm. Não queria ter nenhuma de suas opressões secretas e crises de consciência, nem os pensamentos negros e terríveis sobre a morte e a vida porvir, em troca de tudo o que mundo lhes dá, ou que possam razoavelmente esperar que ele o faça.
Se estivesse no seu estado carnal de não convertidos, e soubesse o que agora sei, e acreditasse no que agora acredito, penso que minha vida teria um gosto antecipado do inferno. Como seriam frequentes os meus pensamentos sobre os terrores do Senhor no dia lúgubre que se aproxima! A morte certa e o inferno ainda estariam diante de mim. Pensaria neles de dia, e sonharia com eles à noite. Eu me deitaria com medo, e com medo me levantaria, e viveria no temor de que a morte me alcançasse antes da conversão. Teria pouquíssima felicidade nas coisas que possuísse, e pouco prazer em qualquer companhia, e pouca alegria nas coisas do mundo, enquanto soubesse estar sob a maldição e ira de Deus. Estaria ainda no temor de ouvir esta voz: “Louco, esta noite te pedirão a tua alma.” (Lc 12:20) E esta temível sentença estaria escrita na minha consciência: “Para os perversos, todavia, não há paz, diz o SENHOR.” (Is 48:22)
Ó pobres pecadores! É uma vida cheia de alegria que vocês poderiam desfrutar, se estivessem verdadeiramente dispostos a ouvir a Cristo e vir a Deus. Poderiam, então, se aproximar de Deus com ousadia, e chamá-lo de Pai, e confortavelmente confiar a Ele suas almas e corpos. Se olhassem para as promessas, diriam: são para mim! Se para a maldição, poderiam dizer: disto fui liberto! Quando lessem a lei, poderiam ver aquilo de que foram salvos! Quando lessem o evangelho, poderiam ver aquele que os redimiu, o curso do seu amor, sua vida santa, seus sofrimentos, e segui-lo nas suas tentações, lágrimas e sangue, na obra da salvação. Poderiam ver a morte conquistada, os céus abertos, e suas ressurreições e glorificações fornecidas na ressurreição e glorificação do seu Senhor. Se olhassem para os santos, poderiam dizer: “são meus irmãos e companheiros.” Se olhassem para os profanos, poderiam se regozijar por se acharem salvos desse estado. Se olhassem para o céu, o sol, a lua e as inumeráveis estrelas, poderiam pensar e dizer: “A face de meu Pai é infinitamente mais gloriosa; as coisas que ele preparou para os seus santos são superiores; o que está ali não é senão o palácio exterior dos céus; a bem-aventurança que nos prometeu vai muito além e é tão elevada que nem carne nem sangue podem contemplar.” Se pensassem sobre o túmulo, poderiam lembrar-se que o Espírito glorificado, a Cabeça viva, e o Pai amoroso, todos se encontram em relação tão próxima ao seu corpo de pó, que ele não pode ser esquecido nem negligenciado; mas é mais certo que ele volte à vida do que as plantas e flores renasçam na primavera; pois a alma, que é a raiz do corpo, ainda estará viva; e Cristo está vivo, que é a raiz de ambos. Até mesmo a morte, que é a rainha dos terrores, poderia ser lembrada e desfrutada com alegria, como sendo o dia da sua libertação do pecado residual e da dor, e o dia no qual creram, esperaram e aguardaram, dia em que veriam as coisas benditas de que ouviram, e descobririam, pela feliz experiência presente, como foi bom escolher a melhor parte, e ser um santo e sincero crente.
O que me diz, ó homem? Não é esta uma vida mais deleitosa? Estar seguro da salvação e pronto a morrer não é melhor do que viver como os ímpios, que têm os corações sobrecarregados com os excessos, bebidas e cuidados desta vida, vindo sobre eles inesperadamente o dia? (Lc 21:34-36) Não poderiam vocês viver uma vida confortável, se de uma vez fossem feitos herdeiros dos céus, e assegurados de que seriam salvos ao deixarem o mundo? Oh! Olhem a sua volta, então, e pensem no que estão fazendo, e não lancem fora semelhantes esperanças a troco de nada. A carne e o mundo não podem lhes dar essas esperanças ou confortos.
E, além de toda a miséria que trazem sobre si mesmos, vocês são os perturbadores dos outros, enquanto permanecem não convertidos. Vocês dão problemas aos magistrados para que lhes governem com as leis; perturbam os ministros, ao resistirem à luz e aos conselhos que lhes oferecem. Seus pecados e miséria são a causa das maiores aflições e problemas para eles no mundo. Vocês perturbam a comunidade, e atraem os julgamentos de Deus sobre si. São vocês os que mais perturbam a paz santa e a ordem das igrejas e impedem nossa união e reforma, e são a vergonha e o problema das igrejas onde se intrometem, e nos lugares onde frequentam.
Ah! Senhor, como é pesada e triste esta situação, até mesmo na Inglaterra, onde abunda o evangelho mais do que em qualquer nação do mundo, onde o ensino é tão claro e comum, e todos os auxílios que desejamos estão próximos. Quando a espada nos retalhava, e o julgamento corria como fogo na nação, a libertação nos aliviou, e tantas misericórdias admiráveis nos atraíram a Deus, e ao evangelho, e à vida santa. Porém, como é triste que, após isso tudo, nossas cidades, vilas e campos abundem com multidões de profanos, e enxameiem de tanta sensualidade, em toda parte, para nossa dor, como hoje vemos!
Alguém poderia pensar que, após toda essa luz, e toda essa experiência, e todos esses julgamentos e misericórdias de Deus, o povo desta nação se reuniria, como um só homem, e se voltaria para o Senhor, e viria aos seus mestres piedosos, lamentando todos os pecados de outrora, e desejando se juntar uns aos outros em humilhação pública, para confessá-los abertamente, rogando ao Senhor perdão para eles, e anelariam suas instruções, e estariam, a partir daí, felizes em ser governados pelo Espírito no seu interior, e pelos ministros de Cristo no exterior, de acordo com a palavra de Deus. Alguém poderia pensar que, após ouvirem esse arrazoado, com evidências da Escritura, como ouviram, e após todos esses males e misericórdias, não haveria um ímpio entre nós, nem um mundano, nem um bêbado, ou alguém que odiasse a reforma, nem um inimigo da santidade que fosse encontrado em todas as nossas cidades ou campos. Se nem todos concordássemos acerca de certas cerimônias ou formas de governo, alguém poderia pensar que, antes disso, todos deveríamos ter concordado em viver uma vida santa e celestial, em obediência a Deus, à sua palavra e aos ministros, e em amor e paz uns com os outros.
Porém, infelizmente, como está longe o nosso povo dessa conduta! A maior parte deles, em muitos lugares, põem, na verdade, seus corações em coisas terrenas e buscam “não em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça”; mas contemplam a santidade como algo inútil. Suas famílias não oram, e até mesmo algumas palavras sem coração e sem vida devem servir ao invés de orações ferventes, sinceras e diárias [ou, talvez, apenas no dia do Senhor, à noite]. A seus filhos não se ensina o conhecimento de Cristo, do pacto da graça, nem são criados no alimento do Senhor, ainda que tenham prometido firmemente isso tudo por ocasião do batismo deles.
Não instruem seus servos nos assuntos da salvação, mas desde que façam seu trabalho, não se importam. Há mais palavras de insulto em suas casas do que palavras graciosas, que tendem à edificação. Como são poucas as famílias que temem ao Senhor, e buscam na sua Palavra e junto a seus ministros sobre como devem viver, e o que devem fazer, e que estão dispostas a ser ensinadas e governadas, e buscam de coração a vida eterna! E esses poucos a quem o Senhor fez tão felizes são comumente motivo de chacota para os seus vizinhos. Quando vemos alguns vivendo na bebedeira, e outros na soberba e mundanismo, e a maior parte deles com pouca consideração pela salvação, ainda que sua situação seja, sem dúvida alguma, repulsiva, contudo, dificilmente serão convencidos de sua miséria, e muito arduamente recuperados e reformados. Mas quando fizemos tudo o que está ao nosso alcance para livrá-los de seus pecados, ainda deixamos a maior parte deles do modo pelo qual os encontramos. E se, de acordo com a lei de Deus, os excomungamos da igreja, quando tiverem obstinadamente rejeitado todas as nossas admoestações, rugem contra nós como se fôssemos seus inimigos, e seus corações se enchem de malícia contra nós, e logo se colocarão contra o Senhor e suas leis, contra a igreja e os ministros, ao invés de irem contra seus pecados mortais.
Esta é a dolorosa situação da Inglaterra. Temos magistrados que aprovam os caminhos da piedade, e uma feliz oportunidade para a unidade e reforma diante de nós, e ministros fiéis anseiam por ver a justa ordenação da igreja e das ordenanças de Deus; mas o poder do pecado em nosso povo frustra a quase todos. Em quase nenhum lugar pode o fiel ministro aplicar a inquestionável disciplina de Cristo, ou impedir o mais escandaloso dos pecadores impenitentes da comunhão da igreja e da participação nos sacramentos, sem que a maior parte do povo não se lhe oponha e o difame. Como se essas almas descuidadas e ignorantes fossem mais sábias que seus mestres, ou do que o próprio Deus! E assim, no dia da nossa visitação, quando Deus nos chama a reformar sua igreja, não obstante o poder civil pareça disposto, e ministros fiéis também, contudo, aí está a multidão de pessoas ainda indispostas, e se cegaram de tal modo, endurecendo seus corações que, até mesmo nestes dias de luz e graça, são obstinadas inimigas da luz e da graça, e não serão atraídas pelos chamados de Deus para que vejam suas tolices, e saibam o que é bom para elas. Tomara o povo da Inglaterra “conhecesse por si mesmo, ainda hoje, o que é devido à paz! Mas isso está agora oculto aos seus olhos.” (Lc 19:42)
Ó almas tolas e miseráveis! (Gl 3:1) Quem enfeitiçou suas mentes com essa loucura, e seus corações com semelhante apatia, para que fossem inimigas mortais de si mesmas? E para que insistissem tão obstinadamente no caminho da condenação, que nem a palavra de Deus, nem a persuasão dos homens, pudessem mudar suas mentes, ou segurar suas mãos, ou detê-los, até que as esperanças se fossem!
Bem, pecadores, esta vida não durará para sempre! Esta paciência não esperará enquanto vocês se demoram. Não pensem que abusarão do seu Criador e Redentor, e servirão a seus inimigos, e degradarão suas almas, e perturbarão o mundo, e ultrajarão a igreja, e reprovarão os piedosos, e entristecerão seus mestres, e impedirão a reforma, isso tudo sem um preço! Vocês ainda não sabem qual será esse preço, mas brevemente saberão, quando o justo Deus os tomar pelas mãos, e os tratar de outro modo que nem os mais incisivos dos magistrados ou os mais leais dos pastores fizeram; a menos que impeçam os tormentos eternos por uma conversão verdadeira, e uma célere obediência ao chamado de Deus. “Aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça,” enquanto a misericórdia tem uma voz para clamar.
Uma objeção muito comum na boca dos ímpios, especialmente nos últimos anos é: “Não podemos fazer nada sem Deus, não podemos ter a graça se Deus não a conceder a nós. E, se Ele o fizer, rapidamente nos arrependeremos. Se não nos predestinou, e não nos conceder arrependimento, como podemos nos arrepender ou ser salvos? Não depende de quem quer ou de quem corre.” Com isso, pensam que estão escusados.
Já respondi a isso anteriormente, e neste livro. Mas, me permitam dizer o seguinte:
1. Ainda que não possam se curar, podem se ferir e envenenar a si mesmos. É Deus quem deve santificar seus corações, mas quem os corrompeu? Vocês tomarão voluntariamente veneno, porque não podem se curar? Penso que deviam abster-se ainda mais do pecado. Deviam ter ainda mais cautela dele, se não podem consertar o que o pecado estragou.
2. Ainda que não possam ser convertidos, sem a graça especial de Deus, contudo, devem saber que Deus dá a sua graça no uso dos santos meios que apontou para esse fim. E a graça comum pode lhes capacitar a resistir a seus pecados escandalosos (quanto ao aspecto exterior) e a usar esses meios. Vocês podem verdadeiramente dizer que fazem tanto quanto poderiam fazer? Não são capazes de passar pelas portas da taverna, ou resistir às companhias que lhes endurecem no pecado? Não são capazes de ouvir a Palavra, e pensar sobre o que ouviram quando chegarem em casa, e considerarem consigo mesmos sobre suas próprias condições e sobre as coisas eternas? Não são capazes de ler bons livros diariamente, ou ao menos no dia do Senhor, e de conversarem com os que são tementes a Deus? Vocês não podem dizer que já fizeram tudo de que são capazes.
3. Portanto, devem saber que podem a graça e o auxílio de Deus pela sua pecaminosidade ou negligência voluntária, ainda que não possam, sem a graça, voltar-se para Deus. Se não farão o que podem fazer, é justo que Deus lhes negue aquela graça pela qual poderiam fazer mais.
4. E, quanto aos decretos de Deus, vocês devem saber que eles não separam o fim dos meios, mais os unem em harmonia. Deus jamais decretou salvar alguém, senão os santificados, nem condenar ninguém a não ser os não santificados. Deus, em verdade, decretou também se as suas terras, neste ano, seriam estéreis ou frutíferas, e quanto tempo vocês devem viver neste mundo, do mesmo modo como decretou se deveriam ser salvos ou não. Contudo, vocês reputariam como tolo o homem que se recusasse a arar e semear, dizendo: “Se Deus decretou que meu solo produzirá cereal, ele o produzirá, quer eu o lavre e semeie ou não. Se Deus decretou que devo viver, viverei, coma eu ou não. Mas se não decretou, não é a comida que me manterá vivo.” Vocês sabem como responder a tal homem, não sabem? Se sabem, então sabem como responder a si mesmos, pois a situação é a mesma: o decreto de Deus é tão categórico em relação aos seus corpos quanto às suas almas. Se não fazem isso, então experimentem primeiro, cheguem às conclusões nos seus corpos antes de se aventurarem a testar suas almas. Vejam primeiro se Deus manterá seus corpos vivos sem comida ou vestimentas, e se lhes dará cereal sem cultivo e trabalho, ou se lhes trará ao final da viagem sem esforço ou transporte; e, se se saírem bem nisso, então testem se ele os trará aos céus sem que usem diligentemente os meios e, depois, sentem-se e digam: “Não podemos santificar a nós mesmos.”
Bem, senhores, não tenho senão três pedidos a lhes fazer, e terei concluído.
Primeiro, que leiam seriamente este pequeno tratado – se em suas famílias houver alguém necessitado dele, que leia para ele repetidas vezes – e se os que temem a Deus forem eventualmente aos seus vizinhos ignorantes, e lerem este ou algum outro livro neste assunto para eles, podem ser meios para ganhar almas. Se não pudermos implorar que os homens façam trabalho tão pequeno, para sua própria salvação, quanto lerem instruções tão curtas como estas, então eles farão pouco caso por si mesmos, e muito justamente perecerão.
Segundo, quando houverem lido por completo este livro, eu lhes imploro a ficarem a sós e ponderarem um pouco sobre o que leram, e pensem, estando na presença de Deus, se isto não é verdade, e se quase não toca suas almas, e se não é tempo de se moverem. Também lhes imploro que se coloquem de joelhos e roguem ao Senhor que abra os seus olhos para entenderem a verdade, e converta seus corações para o amor de Deus, e roguem dele todas as graças salvíficas que por tanto tempo negligenciaram, e sigam-na dia após dia, até que seus corações sejam transformados. E, ao mesmo tempo, vão aos seus pastores (que estão estabelecidos sobre vocês, para que tenham cuidado da saúde e segurança de suas almas, assim como os médicos cuidam da saúde dos seus corpos), e peçam-lhes que os orientem sobre a direção que devem tomar, e que lhes familiarizem com seus estados espirituais, para que possam desfrutar do benefício de seus conselhos e auxílios ministeriais.
Ou, se não tiverem um pastor fiel próximo, façam uso de algum outro para suprir tão grande necessidade.
Terceiro, quando pela leitura, reflexão, oração e conselho ministerial, estiverem uma vez familiarizados com seu pecado e miséria, com seu dever e cura, não adiem, mas logo esqueçam suas companhias e condutas pecaminosas, e convertam-se a Deus, e obedeçam ao seu chamado. Por amor às suas almas, cuidem de não ir contra chamado tão sonoro de Deus, e não sejam contrários ao conhecimento e às suas consciências, para que no dia do julgamento não ocorra com vocês pior do que a Sodoma e Gomorra. Investiguem sobre Deus, como um homem disposto a conhecer a verdade, e não ser um traidor voluntário de sua alma. Examinem as Escrituras diariamente, e vejam se as coisas são desse modo ou não. Testem imparcialmente se é mais seguro confiar nos céus ou na terra, e se é melhor seguir a Deus ou ao homem, ao Espírito ou à carne, e se é melhor viver na santidade ou no pecado; ou se lhes é seguro viver um dia a mais em um estado profano. E, quando descobrirem o que é melhor, ajam de acordo, e façam sua escolha sem mais delongas.
E se forem verdadeiros com suas almas, e não amarem os sofrimentos eternos, rogo-lhes, como da parte do Senhor, que nada façam senão acatar este conselho razoável. Oh! Que cidades e campos felizes, e que feliz nação teríamos, se pudéssemos persuadir as pessoas a acatarem esta atitude tão necessária! Como seriam alegres os ministros fiéis se pudessem apenas ver o seu povo verdadeiramente como pessoas celestiais e santas! Isso seria a unidade, a paz, a segurança, a glória de nossas igrejas; a felicidade de nosso próximo e o conforto de nossas almas. Então, como pregaríamos confortavelmente para vocês o perdão e a paz, e entregaríamos os sacramentos, que são os selos dessa mesma paz! E com que amor e alegria viveríamos em meio a vocês! Nos seus leitos de morte, como ousadamente poderíamos confortar e encorajar suas almas moribundas! E nos seus funerais, como seria confortável deixá-los no túmulo, na expectativa de encontrá-los nos céus, e ver seus corpos ressurretos para a glória!
Mas, se ainda a maior parte de vocês continua numa vida descuidada, ignorante, carnal, mundana e profana, e todos os nossos desejos e labores não puderam até aqui prevalecer a fim de evitar que voluntariamente condenassem a si mesmos, devemos imitar nosso Senhor, que se deleitava naqueles que são as pérolas e no pequeno rebanho que receberá o reino, quando a maior parte colherá a miséria que plantaram. Na natureza, são poucas as coisas excelentes. O mundo não tem muitos sóis ou luas. Não é senão um pouco da terra que é ouro ou prata. Príncipes e nobres são uma pequena parte dos filhos dos homens. E não é grande o número dos letrados, judiciosos e sábios neste mundo. Portanto, se estreita é a porta e muito apertada, não serão senão poucos que acharão a salvação. Mas, nestes poucos, Deus terá sua glória e prazer. E quando Cristo vier com seus anjos poderosos, em fogo chamejante, tomando vingança sobre os que não conhecem a Deus, e não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, sua vinda será glorificada nos santos, e admirada em todos os crentes verdadeiros (2 Te 1:7-10).
E para os demais, como Deus Pai condescendeu em criá-los, e Deus Filho não desprezou carregar a penalidade de seus pecados na cruz, e não reputou tais sofrimentos como vãos, ainda que soubesse que, ao recusar a santificação do Espírito Santo eles finalmente destruiriam a si mesmos, também nós, que somos seus ministros, ainda que estes não sejam reunidos, não reputaremos nosso labor como inteiramente perdido. (Is 49:5)
Leitor, terminei com você (quando tiver lido todo este livro), mas o pecado ainda terminou (mesmo aqueles que você pensa ter esquecido há muito tempo), e Satanás não terminou com você (mesmo que esteja fora de vista) e Deus ainda não terminou com você, porque você não será persuadido a terminar com o poder reinante e mortal do pecado. Escrevi-lhe estes argumentos como alguém que está indo ao outro mundo, onde se podem ver as coisas que aqui são faladas, e como alguém que sabe que brevemente você estará lá. Se alguma vez, você me encontrar com conforto diante do Senhor que nos criou; se alguma vez escapar das pragas eternas preparadas para os desprezadores finais da salvação, e para todos os que não são santificados pelo Espírito Santo, e não amam a comunhão dos santos, como membros da santa igreja universal; se alguma vez você espera ver a face de Cristo, o juiz, e a majestade do Pai, com paz e conforto, e ser recebido em glória quando partir nu deste mundo; eu lhe imploro, eu lhe responsabilizo, ouça e obedeça ao Chamado de Deus, e resolutamente se arrependa para que possa viver.
Mas, se não o fizer, mesmo que não tenha razão verdadeira para isso, senão a falta de vontade, eu o invoco a responder diante do Senhor, e lhe peço que, lá, preste testemunho sobre mim, que lhe avisei, e que você não foi condenado por falta de um chamado para se converter e viver, mas porque não creu e obedeceu a esse chamado. Isso também deverá ser o testemunho de
Seu sério Admoestador
RICHARD BAXTER